05 maio 2012

"O Sofrimento é também o meio" - John Piper


Ao dizermos que haverá mártires e sofrimento, eu ainda não disse o principal sobre o preço de realizar a obra. Isso é porque o sofrimento é o meio, e não apenas o preço. É o meio pelo qual realizamos missões.

Eis o que tenho em mente. Passo a ler um versículo muito importante: Colossenses 1.24. Alguns anos atrás, o significado dele veio como estrondo em minha vida. Eu mostrarei como.
Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja;
Paulo era uma pessoa muito estranha. “Regozijo nos meus sofrimentos por vós” é bastante contra a cultura, nada “americano”, contra aquilo que é humano. “Me alegro em meus sofrimentos por vocês, e na minha carne, faço a minha parte em favor de seu Corpo [ou seja, o ajuntamento dos eleitos de Deus] ao preencher o que resta das aflições de Cristo”. Ora, isso parece estar no limite da blasfêmia! O que quer dizer por “preencher o que resta” das aflições de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo?

Ele não está dizendo que aumenta o mérito ou valor redentor do sangue de Jesus. Não é que complete o mérito e o valor expiatório do sangue de Jesus. Não quer dizer isso. Então, o que Paulo estaria dizendo?

Digitei a palavra grega para preencher (ou completar) e a expressão o que resta em meu programa de Bíblia. Achei na Escritura apenas mais um lugar onde as duas palavras aparecem juntas. Está em Filipenses 2.30: “visto que, por causa da obra de Cristo, chegou ele às portas da morte e se dispôs a dar a própria vida, para suprir a vossa carência de socorro para comigo”.

A situação é que Epafrodito foi enviado da igreja de Filipos até Paulo em Roma. Arriscou sua vida para chegar até ali, e Paulo o elogia por ter arriscado sua vida. Diz aos filipenses que eles deveriam receber tal pessoa com honra, porque esteve para morrer e arriscou seu pescoço para completar o seu ministério para com eles. Eis aqui o versículo paralelo:
Chegou ele às portas da morte e se dispôs a dar a própria vida, para suprir a vossa carência de socorro para comigo.
Essas duas palavras aparecem juntas “para completar o que faltava no socorro de vocês para comigo”. Abri meu antigo (de mais de cem anos) comentário Vincent sobre Filipenses, e este faz uma explanação que, creio eu, seja uma interpretação perfeita de Colossenses 1.24. Diz Vincent:
O presente a Paulo da parte dos Filipenses foi uma dádiva da igreja como corpo. Era uma oferta de amor, dada com sacrifício. O que faltava era a apresentação pessoal desta oferta. Isso era impossível, e Paulo representa Epafrodito como tendo suprido essa falta mediante seu afetuoso e zeloso ministério.
Temos aqui um quadro de uma igreja que deseja comunicar amor enviando dinheiro até Roma, e não podem fazê-lo pessoalmente. São pessoas demais, e Roma é longe demais. Assim, dizem a Epafrodito: “Epafrodito, represente-nos e complete aquilo que falta do nosso amor. Não existe nada que falte no amor exceto a expressão pessoal dele. Leve isso com você e comunique-o a Paulo”.

Creio ser exatamente o que quer dizer Colossenses 1.24. Jesus morreu e sofreu por pessoas em todo o mundo, de todas as nações. Foi ele então sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras. Ascendeu ao céu, de onde reina sobre toda a terra. Deixou uma tarefa a ser realizada aqui.
Paulo compreendia que em sua missão faltava uma coisa nos sofrimentos de Jesus. A oferta de amor de Cristo deveria ser apresentada pessoalmente por meio de missionários aos povos por quem ele morreu. Paulo diz: “Isso eu faço. Em meus sofrimentos, eu completo o que falta nos sofrimentos de Cristo.” Quer dizer que é a intenção de Cristo que a Grande Comissão seja uma apresentação às nações dos sofrimentos de sua cruz, mediante os sofrimentos de seu povo. Acabará desta maneira. Se você quer se alistar para a Grande Comissão, para isso que estará se comprometendo.

Há alguns anos, eu estava trabalhando com Alegrem-se os Povos, e me escondi no seminário Trinity em Deerfield, Ilinois. Estava “escondido” porque não queria que ninguém soubesse onde eu estava, para que não me incomodassem. Minha esposa e meus filhos permaneceram em casa, e eu trabalhava 18 horas por dia.

Soube então que J. Oswald Sanders estaria falando na capela. Ele contava oitenta e nove anos. Era um veterano e grandíssimo líder de missões. Perguntei com meus botões: “Será que devo aparecer em público e arriscar ter de conversar com um monte de gente, ser convidado para jantar e essas coisas todas, impedindo-me de terminar o meu trabalho?” Mas, queria muito ouvi-lo, e assim, fui ouvi-lo às escondidas no fundo da capela. Esse homem idoso ficou ali em pé, e eu estava cheio de admiração, desejoso de que, quando eu tivesse 89 anos, fosse como ele. Relatou uma história que personifica muito bem Colossenses 1.24.

Disse que certa vez havia na Índia um evangelista que caminhava pelas estradas em diversos vilarejos, pregando o evangelho. Era homem simples, sem estudo, disposto a entregar sua vida por ele, que amava Jesus de todo coração. Chegou em um vilarejo que não tinha o evangelho. Era o final do dia e ele estava exausto, mas entrou na cidadezinha e ergueu sua voz para compartilhar o evangelho com os que estavam na praça. Eles zombaram, ridicularizaram-no e o expulsaram do vilarejo. Tão cansado estava – sem mais recursos emocionais – que se deitou sob uma árvore, em desânimo total. Dormiu sem saber se acordaria na manhã seguinte. Pelo que ele sabia, poderiam até mesmo matá-lo.

Quando acabara de escurecer, de repente, ele despertou e deu um pulo. Parecia que todo mundo do vilarejo estava ao seu redor, olhando para ele. Ele pensou que, na certa, esses homens o matariam. Começou a tremer, e um dos maiorais da vila disse: “Viemos ver que tipo de homem você é, e quando vimos os seus pés cheios de bolhas, soubemos que é um homem santo. Queremos que nos diga por que você ficou com os pés machucados só para falar conosco”. Ele pregou-lhes o evangelho e, conforme disse J. Oswald Sanders, todos do vilarejo creram. É a isso que Paulo está se referindo com a afirmativa: “Completo em meus sofrimentos o que falta das aflições de Jesus.”

Tenho mais um pequeno parêntese sobre J. Oswald Sanders. Aos 89 anos ele disse: “Tenho escrito um livro por ano desde meus setenta anos”. Dezoito livros depois dos setenta! Existem pessoas em minha igreja e por toda a América que desistem da vida aos 65, morrendo em um campo de golfe no estado de Nevada, quando deveriam estar entregando suas vidas lá entre os muçulmanos, como fez Raymond Lull.

Raymond Lull foi grande estudioso de línguas orientais, missionário aos muçulmanos do Século XII, que se aposentou e voltou para a Itália. Por algum tempo continuou sua vida acadêmica, mas eventualmente desistiu, perguntando: “O que é que estou fazendo? Vou morrer aqui na Itália. Por que não atravessar o Mediterrâneo para morrer na Argélia?” E então, sabendo que a pregação pública lhe custaria sua vida, entrou em um navio, contando ele mais de oitenta anos de idade, e atravessou o Mediterrâneo. Permaneceu incógnito enquanto encorajava a igreja, e decidiu que esse tempo seria tão propício quanto qualquer outro. Assim, ele se levantou para pregar, e aqueles o mataram. Que jeito de deixar a vida!

Atentem, especialmente aqueles que estão na casa dos sessenta anos. Falo comigo mesmo, pois, quando você é idoso não tem nada a perder com o martírio, e ainda consegue descontos nas passagens.

Por que deveríamos pensar que trabalhar quarenta ou cinquenta anos signifique que poderemos brincar e jogar nos últimos quinze anos antes de nos encontrar com o Rei? Não entendo. São apenas mentiras de nossos tempos. Somos fortes aos 65 e somos fortes aos 70. Lembro-me quando minha mãe foi morta, meu pai quase morreu também, em um acidente de ônibus em Israel. Eu o peguei dez dias depois – ele e o corpo de minha mãe viajando na ambulância, e o tempo todo, de Atlanta a Greenville, ele estava ali deitado, com as costas abertas porque seus ferimentos eram tão sérios que não puderam suturá-los. Ele ficava dizendo: “Deus deve ter um propósito para minha vida. Certamente, Deus tem um propósito para mim!”

Os próximos 30 anos de vida de meu pai foram de um ministério profícuo! Quando ele tinha quase 80 anos, trabalhava pelas nações mais que nunca antes. Preparava lições em Easley, na Carolina do Sul, incluindo algumas gravações. Essas iam para 60 nações, com cerca de 10,000 pessoas vindo à fé em Jesus a cada ano, porque Deus poupou a vida de meu pai naquele acidente e fez com que ele não acreditasse que deveria se aposentar.

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