Meditações sobre Família e Martírio
Muitos (talvez não todos) dos que lêem
este livro estão bem distante da ameaça de martírio. Contudo, as
palavras de Jesus têm de ser ouvidas por todos. Dias virão em que elas
serão mais relevantes do que parecem hoje. E, mesmo em nossos dias, as
palavras de Jesus são tremendamente importantes para milhares de
cristãos. David Barret estima, em suas pesquisas anuais, que 164.000
cristãos morreram como mártires todos os anos, no século XX, o qual é
provavelmente o mais sangrento de todos os séculos. Isso não deve
surpreender a nenhum verdadeiro cristão. “Amados, não estranheis o fogo
ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se
alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo” (1 Pedro 4.12).
Todos devemos ouvir as palavras de Jesus:
Antes, porém, de
todas estas coisas, lançarão mão de vós e vos perseguirão,
entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença de
reis e governadores, por causa do meu nome; e isto vos acontecerá para
que deis testemunho. E sereis entregues até por vossos pais, irmãos,
parentes e amigos; e matarão alguns dentre vós. Contudo, não se perderá
um só fio de cabelo da vossa cabeça. É na vossa perseverança que
ganhareis a vossa alma (Lucas 21.12-13, 16, 18-19).
Sem dúvida, será difícil não somente
morrer por Cristo às mãos de homens injustos, mas também ter os membros
de nossa própria família, à semelhança de Judas, nos entregando com um
beijo. Todavia, haverá outras histórias. Nem todas as famílias falharão
naquele tempo. Algumas se revelarão como ouro. Ouvir a respeito dessas
famílias e da fé exercida por tais pessoas ajudarão a você e a seus
amigos e familiares a ficarem preparados. Quero contar-lhe a história da
família Haim, do Camboja.
No vilarejo de Siem
Riep (no Camboja), Haim, um mestre cristão, “sabia que os jovens
soldados comunistas, de traje preto, ao atravessarem os campos, agora
vinham buscá-lo… Haim já tinha determinado que, ao chegar a sua vez,
morreria com dignidade e sem queixas. Desde a “Libertação”, em 17 de
abril de 1975, qual o cambojano que não pensara neste dia?… Toda a
família de Haim estava reunida naquela tarde. Eles eram “a velha caspa”,
“o sangue ruim”, “inimigos da revolução gloriosa”, “agentes da CIA
[Central Intelligence Agency]!” Eles eram cristãos.
A família passara a
noite acordada, confortando-se mutuamente e orando uns pelos outros,
enquanto permaneciam amarrados juntos, na grama úmida, debaixo de
algumas árvores. Na manhã seguinte, os jovens soldados retornaram e os
levaram de seu Getsêmani ao lugar de execução, aos “campos de
extermínio”…
A família recebeu
ordens de cavar uma sepultura bem ampla, para eles mesmos. Então,
concordando com o pedido de Haim, de se prepararem, por alguns momentos,
para a morte, pai, mãe e filhos, com mãos unidas, ajoelharam-se ao
redor da cova aberta. Com súplicas altissonantes a Deus, Haim começou
exortando tanto os soldados como todos os que os olhavam de longe a se
arrependerem e crerem no evangelho.
Então, em pânico, um
dos filhos mais novos de Haim se colocou de pé, correu em direção aos
arbustos dos arredores e desapareceu. Haim se levantou e, com admirável
frieza e autoridade, prevaleceu em convencer os soldados a não
perseguirem o menino e a permitirem que ele o chamasse de volta. A
aglomeração de espectadores que observavam ao redor das árvores, os
soldados e a família pasmada, ainda de joelhos à beira da cova, olhavam
com admiração, enquanto Haim começou a chamar o seu filho, rogando-lhe
que retornasse e morresse junto com sua família. “Que comparação”,
bradou Haim, “ganhar apenas mais alguns dias na selva, como um fugitivo,
um miserável e solitário, em vez de unir-se à sua família,
momentaneamente ao redor da sepultura, mas em breve ao redor do trono de
Deus, livres para sempre, no Paraíso?” Depois de alguns minutos de
tensão, alguns arbustos foram abertos, e o rapaz, chorando, caminhou
lentamente ao seu lugar, entre os familiares ajoelhados. “Agora, estamos
prontos para ir”, disse Haim aos soldados.
Poucos dos que presenciaram esse
acontecimento duvidaram que as almas daqueles cristãos, cujos corpos
tombaram silenciosamente à cova que eles mesmos abriram, ascenderam ao
céu, a um lugar preparado pelo Senhor deles (Don Cormack, Killing Fields, Living Fields: An Unfinished Portrait of the Cambodian Church — the Church That Would Not Die, Crowborough, England: Monarch Publications, 1997, p. 233-234).
Haim e sua família não morreram em vão, e
nada nos intimidará, se você e eu formos motivados a fixar nossos
pensamentos nas coisas que são do alto, para amarmos a Cristo mais do
que a este mundo e sermos tão radicalmente livres para o amor, o
testemunho e a coragem, na causa da verdade.
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